O nome "Gran Circo" exprime bem a maneira como penso.
Aparentemente caótico, mas muito planejado, às vezes irônico mas sobretudo divertido.
Não esperem só palhaçadas.
Críticas e manifestações humanas em geral terão lugar garantido no picadeiro.

Agora vamos ver como os domadores e palhaços que moram entre as minhas orelhas irão se comportar!



22 janeiro 2018

Seo Antonio e os salmonídeos

Alguns causos merecem ser compartilhados.  Este é um deles.  Estava escrito há muito tempo e, qual é a graça de deixar engavetado?

Houve uma vez, lá pelo final dos 70 ou início dos 80, em que estavamos em 2 casais explorando a serra da Bocaina em um chevette – eita carrinho valente, acampando pelas cidades históricas da região.
Acampados numa fazenda em Bananal, subimos o que na época era uma estradinha precária de terra esburacada, com uma vista lindíssima, e resolvemos pescar trutas no lago do trutário Acqua, o que foi uma covardia porque as trutas faziam fila pra morder o anzol.

image by Skeeze in Pixabay.com


Depois que as belas trutas já estavam devidamente evisceradas, congeladas e armazenadas em nossa geladeira de isopor, resolvemos continuar a subir por umas estradinhas serra acima, atrás de uma estação de salmonicultura que algumas placas velhas diziam existir por lá.
E depois de muito subir, sem encontrar nada que sequer aparentasse ser um curso d’água, e já olhando para as nuvens pelo lado de dentro em alguns pontos, nós nos deparamos com um velho descalço e com um chapéu roto, caminhando pela estradinha.
Desprezando a velha regra de que homem não pergunta o caminho, eu, que estava dirigindo no momento, resolvi perguntar onde ficava a tal estação de salmonicultura.
E o velho respondeu: “Vocês já passaram por ela, vários quilômetros abaixo, um lugar grande com um lago...,vocês não viram as placas?
E nós “inteligentemente” respondemos: “Sim!  Nós até pescamos no lago!  Mas lá eles criam trutas!
E o velho replicou: “Sim!  Mas é lá mesmo. As trutas são salmonídeos!
Boeiiing!!!  Alguma coisa desconcertou os nossos paradigmas naquele instante.
Como um caipira velho, descalço, desdentado, e com um chapéu todo roto, me solta uma palavra tão científica como salmonídeo?   E pra complementar o homem desfiou toda uma história de que o que as velhas placas indicavam era um antigo projeto do governo, mas que não havia mais nada no local, etc, etc...  Mas que, se quisessemos conhecer um lugar muito bonito, com peixes ornamentais e plantas aquáticas, que nós poderíamos seguir em frente até o sítio do Dr. Antonio.  E assim, indicou-nos o caminho.  Agradecemos e tocamos em frente e ele continuou à pé em seu próprio ritmo “devagar e sempre”.
Com a espinha dos salmonídeos entaladas em nossa garganta fomos seguindo por uma estradinha cada vez mais estreita e cada vez mais pra cima, até que chegamos a um local que até hoje, pelo menos 25 anos depois, do qual ainda me lembro com estranheza.
Fomos recebidos por um jovem com aparência hippie e uma criança montada em seu pescoço, que veio em nossa direção meio ressabiado pela nossa presença, deixando-nos porém à vontade quando perguntamos se aquele era o sítio do Dr. Antonio.
Lagos bem cuidados com nenúfares e peixes dourados, uma casa meio estranha, uma kombi velha e e um amontoado de tranqueiras num canto, aliado à uma atmosfera meio nublada, davam ao conjunto uma aparência irreal, meio Shangrilá.
Em seguida chega o tal Dr. Antonio que não era outro senão o homem que havíamos encontrado na estradinha.
Batemos papo, e o filho me contou que o pai havia sido um médico de grande prestígio no eixo Rio – SP e que depois de ter contraído uma doença grave e ter lhe sido dado um prognóstico de poucos meses de vida, resolveu vender tudo, abandonar a cidade e comprar um sítio num lugar bem remoto para passar seus últimos dias.  Só que os médicos seus amigos estavam enganados e já fazia alguns bons anos que ele vivia no local.

Depois de escrever este texto, descobri que o local virou uma pousada gerenciada pelo filho do Dr. Antonio. Qualquer hora ainda apareço de novo por lá.

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