Alguns causos merecem ser compartilhados. Este é um deles. Estava escrito há muito tempo e, qual é a graça de deixar engavetado?
Houve uma vez, lá pelo final dos 70 ou início dos 80, em que
estavamos em 2 casais explorando a serra da Bocaina em um chevette – eita
carrinho valente, acampando pelas cidades históricas da região.
Acampados numa fazenda em Bananal, subimos o que na época
era uma estradinha precária de terra esburacada, com uma vista lindíssima, e resolvemos
pescar trutas no lago do trutário Acqua, o que foi uma covardia porque as trutas
faziam fila pra morder o anzol.
image by Skeeze in Pixabay.com |
Depois que as belas trutas já estavam devidamente
evisceradas, congeladas e armazenadas em nossa geladeira de isopor, resolvemos
continuar a subir por umas estradinhas serra acima, atrás de uma estação de
salmonicultura que algumas placas velhas diziam existir por lá.
E depois de muito subir, sem encontrar nada que sequer
aparentasse ser um curso d’água, e já olhando para as nuvens pelo lado de
dentro em alguns pontos, nós nos deparamos com um velho descalço e com um
chapéu roto, caminhando pela estradinha.
Desprezando a velha regra de que homem não pergunta o
caminho, eu, que estava dirigindo no momento, resolvi perguntar onde ficava a
tal estação de salmonicultura.
E o velho respondeu: “Vocês já passaram por ela, vários
quilômetros abaixo, um lugar grande com um lago...,vocês não viram as placas?
E nós “inteligentemente” respondemos: “Sim! Nós até pescamos no lago! Mas lá eles criam trutas!
E o velho replicou: “Sim!
Mas é lá mesmo. As trutas são salmonídeos!
Boeiiing!!! Alguma
coisa desconcertou os nossos paradigmas naquele instante.
Como um caipira velho, descalço, desdentado, e com um chapéu
todo roto, me solta uma palavra tão científica como salmonídeo? E pra complementar o homem desfiou toda uma
história de que o que as velhas placas indicavam era um antigo projeto do
governo, mas que não havia mais nada no local, etc, etc... Mas que, se quisessemos conhecer um lugar
muito bonito, com peixes ornamentais e plantas aquáticas, que nós poderíamos
seguir em frente até o sítio do Dr. Antonio.
E assim, indicou-nos o caminho. Agradecemos
e tocamos em frente e ele continuou à pé em seu próprio ritmo “devagar e
sempre”.
Com a espinha dos salmonídeos entaladas em nossa garganta
fomos seguindo por uma estradinha cada vez mais estreita e cada vez mais pra
cima, até que chegamos a um local que até hoje, pelo menos 25 anos depois, do
qual ainda me lembro com estranheza.
Fomos recebidos por um jovem com aparência hippie e uma
criança montada em seu pescoço, que veio em nossa direção meio ressabiado pela
nossa presença, deixando-nos porém à vontade quando perguntamos se aquele era o
sítio do Dr. Antonio.
Lagos bem cuidados com nenúfares e peixes dourados, uma casa
meio estranha, uma kombi velha e e um amontoado de tranqueiras num canto,
aliado à uma atmosfera meio nublada, davam ao conjunto uma aparência irreal,
meio Shangrilá.
Em seguida chega o tal Dr. Antonio que não era outro senão o
homem que havíamos encontrado na estradinha.
Batemos papo, e o filho me contou que o pai havia sido um
médico de grande prestígio no eixo Rio – SP e que depois de ter contraído uma
doença grave e ter lhe sido dado um prognóstico de poucos meses de vida,
resolveu vender tudo, abandonar a cidade e comprar um sítio num lugar bem
remoto para passar seus últimos dias. Só
que os médicos seus amigos estavam enganados e já fazia alguns bons anos que
ele vivia no local.
Depois de escrever este texto, descobri que o local virou
uma pousada gerenciada pelo filho do Dr. Antonio. Qualquer hora ainda apareço
de novo por lá.
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