Aeroporto do Galeão (em algum dia de 2005)
A sala estava praticamente vazia. Faltava ainda mais de uma hora para o vôo: uma daquelas conexões malditas em que o tempo parece estar congelado.
A sala estava praticamente vazia. Faltava ainda mais de uma hora para o vôo: uma daquelas conexões malditas em que o tempo parece estar congelado.
Absoluto silêncio!
E aí chegou o dono da primeira bunda rangedora. Uma bunda respeitável! Sacola na mão, telefone celular no pescoço torcido, laptop, gravata torta, e cabelo despenteado. Foi só sentar e a cadeira rangeu. Sabe aquele barulhinho chato que não dá pra onomatopaicozar? Não dá pra saber se é um “ nheeeec” ou um “greeeenck”, quem sabe um “yiiiiiiiiik”, ou talvez um “ yeeeeeeek”. Só se sabe que é irritante, profundamente irritante!
Surge do nada, dura menos que um segundo mas provoca um pico de irritorfina no sangue que dá até taquicardia.
Para quem não sabe, a irritorfina é a substância que quando entra na corrente sangüínea nos deixa instantâneamente putos!
A sala começou a se encher de gente – mais gente despenteada, mais gravatas tortas, mais celulares e laptops, mais bermudas, mais papetes com meias soquetes (turistas é claro!), e uma verdadeira inundação de sacolas e mochilas. Tudo isso devidamente acompanhado de mais bundas rangentes.
A partir desse momento o meu cérebro dirigiu todos os seus sensores para o maldito ruído. Não consegui mais nem prestar atenção num promissor grupo de garotas que entraram flutuando pela sala e que poderiam me trazer a redenção quando passassem por mim.
Todas as pulgas do universo baixaram sobre as bundas rangentes. A cacofonia era ensurdecedora.
Cada um que sentava provocava um rangido diferente. A sensação, quando eu levantava os olhos do meu livro tentando localizar o autor de mais um rangido, era de que todos estavam olhando para mim com um risinho sarcástico no canto da boca.
Eu baixava os olhos e lá vinha mais um rangido. E a sala se enchendo e as cadeiras rangendo.
Era o mundo precisando de ordem!
Foi nesse momento que o meu nível de irritorfina ultrapassou o limite de segurança estabelecido pela OMS, eu senti o mundo girar. Naquele momento eu tive a visão da minha missão no mundo.
Eu me levantei, pedi silêncio, e iniciei o meu discurso:
-Bundas rangedoras. Uni-vos! Temos de fazer arte porque senão o mundo perderá o pouco de graça que ainda lhe resta.
-Eu acabei de compor, aqui e agora, a sinfonia para bundas, cadeiras, e voz de aeroporto.
E comecei a reger a minha orquestra separando os gordos atrás e a esquerda, magros à direita, mulheres e crianças à frente.
- Por favor, não vale pum e nem arroto!
- Vamos começar, todos em pé. Mão pra baixo sentem-se. Mão pra cima levantem-se.
E a música começou:
Nhé Nhé Guinch Voin
Atenção senhores passageiros do vôo XK 4328 para Nova York
Nhé Nhé Guinch Voin…
A resposta geral estava sendo boa a não ser pela secção de bundas tenores que estava rangendo meio tom abaixo.
E quando o ensaio começava a render, vocês chegaram!
Mas não adianta insistir, eu não vou entregar a partitura e não tenho mais nada a dizer Doutor, apenas me tire da camisa de força. Eu juro que não vou fugir, já perdi meu vôo mesmo!
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