O nome "Gran Circo" exprime bem a maneira como penso.
Aparentemente caótico, mas muito planejado, às vezes irônico mas sobretudo divertido.
Não esperem só palhaçadas.
Críticas e manifestações humanas em geral terão lugar garantido no picadeiro.

Agora vamos ver como os domadores e palhaços que moram entre as minhas orelhas irão se comportar!



14 março 2010

Janelas

Este texto foi escrito numa época em que eu estava realizando um trabalho em Campos, e normalmente voltava de ônibus para o Rio de Janeiro no final da semana. Disso já faz provavelmente uns 10 anos!


Ônibus Campos Rio 03/7 15:00

Aproveitei os primeiros quilômetros e buracos da estrada para fazer apontamentos das principais ocorrências do trabalho da semana, aliás uma péssima semana de trabalho, mas logo bateu aquela vontade de ou dormir ou escrever outras coisas.
Ficar sonolento é a melhor forma de abrir os olhos para a poesia vista pela janela do ônibus.

Uma área plana, uma tarde modorrenta e uma multidão de bois e garças batendo um preguiçoso papo enquanto dividem o pasto.

Olhando para a amplidão do campo que passa pela janela penso um pouco em solidão: casinhas pequeninhas de teto baixo, sempre com janelas abertas e uma florzinha que seja no terreiro, igrejas rurais que apesar de solitárias e mal cuidadas guardam uma certa altivez (talvez por serem guardiãs da fé!).
Com certeza guardam em seu interior vasinhos de flores artificiais cuidadosamente arranjados em volta do altar da santa ou do santo padroeiro que com as mãos postas e olhar piedoso fitam sempre as mesmas paredes mal caiadas esperando uma rara visita e a data da quermesse anual quando enfim saem dar uma volta em procissão.

É meio perverso erguer uma capela em honra a um santo e quase sempre deixa-la fechada e com aparência abandonada.

Olho pelo outro lado e vejo o perfil agressivo das altas montanhas a oeste que prenunciam o território mineiro. Montanhas fortes e vigorosas como as de Minas sempre me chamam a atenção. Eu acho que em todo homem há sempre um desejo escondido de conquistar uma montanha. Aquele velho dito (quem é mesmo o autor?) que diz que um homem só se completa ao ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro, deveria ser acrescido de "e conquistar uma montanha". De certo modo, eu já fiz essa parte em algumas rochas suficientemente altas para os meus padrões topográficos, mas nunca as escalei pela via mais difícil.

O ônibus continua a viagem e vejo agora vilarejos iluminados pelo sol da tarde com sua luz amarelada e sombras que já começam a se alongar.
Nem uma nuvem no céu. O moleque sem camisa anda pela beira da estrada como se morasse logo ali (no meio do nada). Que falta eu senti de uma máquina fotográfica.

Estradinhas empoeiradas entram e saem do canavial...

Acordei...o que significa que dormi mas o tempo não parou.

As sombras estão agora muito compridas mas o céu ainda está claro de um azul deslumbrante. Uma lua pálida e quase cheia já marca presença a meio céu.
No campo muitas palmeiras (seriam buritis?) com preguiça de derrubar a palha (parece que estão com as calças caindo pelo meio das pernas).



Por que passarinhos vivem apostando corrida voando feito malucos enquanto os grandes pássaros flutuam suavemente lá em cima? – devem olhar pros pequeninhos com a maior cara de superioridade.

Passo agora por Casimiro de Abreu. A cidadezinha não faz jus ao poeta...

O horizonte já se tinge de dourado por trás das montanhas a oeste. Algumas nuvens se enfeitam para fazer um belo por de sol.
Tudo o que eu vejo é preguiçoso. Os bois, os pássaros brancos, as palmeiras, o homem acocorado no terreiro; até a fumaça da casinha ao longe não se eleva e já sai na horizontal formando uma nuvem branca que vai caminhando lentamente pelo campo.
Olho mais uma conferência de gado e pássaros brancos. Será que estão contando "causos" ou será que planejam alguma greve?

O terreno plano dá lugar ao montanhoso. Eu acho que todos os bois que pastam em morros tem problema de coluna. Como eles ficam tensos o tempo todo para se equilibrar na pirambeira, o filé de um lado é mais macio que o do outro, ou as pernas de um lado são mais longas para completar a diferença de nível do terreno. O Ministério da Agricultura deveria obrigar uma etiqueta nos filés indicando se o boi pastava em terreno plano ou montanhoso e se aquela peça ficava do lado mais alto ou do lado mais baixo.

Já estou entre Rio Bonito e Itaboraí num trecho de estrada todo enfeitado por peças de cerâmica coloridas, muitas pilhas de vasos, anões de jardim e gnomos (acho que estou mesmo precisando dormir – eu juro que um deles acenou para mim!).

Mesmo com as cerâmicas coloridas a estética já mudou brutalmente. O belo cenário está dando lugar a feias construções amontoadas e inacabadas e mato oportunista na beira da estrada (por aqui abrir uma casa de tintas é ter certeza de ir à falência).

Se eu ainda tivesse tempo poderia falar do atulhamento urbano na chegada a Niterói, daqueles feios esqueletos de navios antes da ponte Rio Niterói e daquele horror dos prédios junto à Estação Rodoviária. Mas para ficar com belas e preguiçosas lembranças eu prefiro voltar a dormir.

Pena que não poderia falar da bela Zona Sul porque ficarei em Santos Dumont. Mas a luz agora é pouca e não dá mais para rabiscar no meu Palm. Está na hora de deslig...

Um comentário:

Marcelo Oliveira disse...

Dia ordinario, dentre tantos dias ordinarios, de uma pessoa ordinaria...
que ao ser registrada para depois ser lembrada, e compartilhada se torna um peça unica, especial e rara...
Que nos mostra que até no mais ordinario se esta a beleza e valor do mais raro.
Muito bom gostei...

Abraço